Cadernos de Desenho
O desenho é o modo mais imediato de registro de nosso olhar. Por meio dele compreendemos o que vemos o que sentimos e estabelecemos nossa relação com o mundo. Por meio dele, distinguindo as coisas aprendemos a amá-las. É onde se materializa o pensamento do artista, se organiza se expressa e constrói. O desenho como meio de conhecimento, de apropriação, de comunhão. Trata-se de um ato vital e necessário: ato que expressa o nascimento das formas como significação, como definição e função. É parte de um desejo inconsciente de expressar algo indizível, da manifestação sensível das ideias. É a figura do desejo.
Os cadernos têm acompanhado os artistas por toda a história e reúnem aspectos pouco conhecidos de sua produção. São momentos de intimidade e cumplicidade únicos, quase nunca divulgados e muitas vezes permanecem num canto do ateliê, geralmente acessíveis somente aos olhos do próprio artista. Partindo dessas anotações, muitas vezes despretensiosas, somos capazes de registrar a essência de nosso pensamento visual. Seu uso recorrente, como bloco de anotações, carnês de viagem ou diários, apresenta a possibilidade de revelar o pensamento construtivo que norteia o processo de criação e de construção das imagens.
Durante os últimos mais de trinta anos as atividades de ensino, orientação e pesquisa ocupam um grande espaço em minha vida. Minha produção artística procura acompanhar os eixos estruturais dessa atividade no âmbito acadêmico, o que dificulta extremamente a atividade desenvolvida em ateliê, atividade essa que demanda uma dedicação quase exclusiva. Como estratégia de construção de pensamento visual e tentativa de manter minha investigação artística ininterrupta passo a usar cadernos de desenho como uma extensão do ateliê. Neles organizo meu pensamento, registro ideias e sensações, planejo minhas aulas e encontro um espaço infinito para a manifestação do desenho e meus questionamentos sobre as questões de representação. Quanto mais intensa era minha atividade na universidade mais crescia o uso dos cadernos, chegando, em algumas épocas, a concluir dois ou três em apenas um mês.
Os cadernos se tornaram uma ferramenta imprescindível: com eles passei a conduzir minhas aulas, a organizar meu trabalho como artista e como pesquisadora. Através deles passei a relacionar a linguagem visual, os procedimentos técnicos e minhas principais referências teóricas, tudo isso submetido à intenção poética, que é seu fio condutor. Entendo esse território como estrutura de minhas vivências e experiências, onde posso explorar o espaço com os sentidos - onde prevalece a cor e o olhar, onde posso medir as distâncias e compreender os limites e minha localização, marcar o território e construir meu mapa.
Lygia Arcuri Eluf